Na concepção do espetáculo "No Se lo Que Es Pero Está Me Comiendo por Dentro", discutimos bastante sobre o "entendimento" de uma peça. Apesar de ser um trabalho bastante criterioso, não tínhamos certeza se tudo ficaria claro para o espectador. Por exemplo, nas minas de carvão da Bolívia é comum os trabalhadores acenderem velas em um altar com uma figura diabólica chamada El Tio, uma maneira de abrandar o diabo, digamos assim, para que ele não os cause nenhum mal naquele ambiente já bastante insalubre. Esta história não é contada na peça, mas em uma cena, são estas figuras que explicam o trabalho e as condições desumanas a um personagem que acaba de chegar. Não sabíamos como o público receberia isso, se tentaria entender intelectualmente, e para isso não demos informações suficientes, ou se receberia "sensorialmente", metabolizando a cena (e grande parte do espetáculo) não só por seu conteúdo mas também por sua forma.
Principalmente depois do Alexandre Mate assistir a um ensaio e conversarmos sobre suas opiniões, mudamos algumas coisas para que o espetáculo ganhasse em entendimento e clareza, mas sempre tentamos achar um caminho que não deixasse o trabalho nem óbvio, nem hermético. Acho que pela reação do público na estréia semana passada conseguimos.
Isso para mim continua uma questão bastante importante, principalmente o da narrativa forte em detrimento de imagens e cenas fortes que se comuniquem com o público não através da linguagem verbal. Acho que a imagem inicial proposta para o espetáculo e abandonada por questão de dificuldade técnica de realização é um bom exemplo disso: corpos nus afogados em grandes recipientes transparentes com água. Imóveis e aparentemente sem respirar debaixo d'água enquanto o público entra no teatro e se senta. Uma bela e clara metáfora do que o público iria ver. Pena não termos aprendido a respirar debaixo d'água!
Como fatalmente minha referência é o cinema, dois artistas estão chamando minha atenção por abordarem esta problemática. David Lynch, "diretor americano que vai na contra mão da tendência realista do cinema atual e cria obras inspiradas pela matéria dos sonhos, sem se prender a narrativas lineares ou significados fechados. Como Luis Buñuel, Lynch entende que certos aspectos da realidade são inexplicáveis - e que o dever do cinema é preservar o mistério da vida, não explicá-lo" (revista Bravo!) e o inglês Peter Greenaway que em um entrevista a Philippe Barcinski diz por exemplo: "Os anos 90 presenciaram enormes revoluções tecnológicas, que tem a ver com dois fenômenos: interatividade e multimídia. O cinema, no entanto, não possui nem uma coisa nem outra. A geração do laptop não pode se excitar com algo que não é interativo ou multimídia. O cinema se tornou antiquado. Você senta num lugar escuro , mas o homem não é um animal noturno. Você olha uma só direção, mas o mundo todo está a sua volta. Se você assiste a um longa numa sala de projeção, fica parado por dias horas, algo que não fazemos nem dormindo. Que coisa mais estúpida! A linguagem cinematográfica é extraordinária, mas é desperdiçada nas salas de projeção. Por sermos preguiçosos temos um cinema patético e miserável, baseado na narrativa, que não consegue mais seduzir a nossa imaginação...". Apesar de ao vivo e em três dimensões acho que muitas de suas idéias valem também para o teatro.
Tese X antítese = síntese! Acho que a cada acerto e erro, a cada trabalho, a cada descoberta vamos chegando mais próximos das respostas, ou não! Afinal como disse um certo velhinho: só sei que nada sei!
As imagens que ilustram o texto são quadros de David Lynch expostos este ano na Fondation Cartier - Paris em uma exposição sua chamada "The Air is on Fire".
2 comentários:
Luuuuuuuuciano.
Seu desejo é uma ordem.
Postei e tem até filminhos...
Caramba.. tô frita de ter vc como leitor!
beijos
Sócrates
;)
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