Assim como um pássaro canta ou uma aranha constrói uma bela teia, alguns seres só precisam se expressar para revelar toda a beleza de suas almas. Assim acredita Joseph Campbell, assim foi Emily Dickinson (1830-1886).
Sabe aquele prazer de conhecer um novo autor, ou uma nova língua? Aquela sensação de expandir as fronteiras de seu conhecimento? ("...os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo" - Marshal Urban) Foi essa a sensação que tive ao entrar em contato com a obra desta mulher, apresentado por uma coluna da Nina Horta.
Dizem que é a maior poeta americana, alguns a comparam a Shakespeare na consistência das palavras. Eu acho que se tornaria amiga íntima de Cora Coralina se a tivesse conhecido, trocando receitas de doce e desafogando os corações sensíveis.
Emily nasceu em Amherst, Massachusetts, em uma casa construída pelos avós proveniente de uma família abastada. Teve uma educação primorosa e após finalizar os estudos voltou à casa para cuidar dos pais. Nunca se casou. Passou a vida toda reclusa. As poucas viagens que fez, para Filadélfia, Washington e Boston foi para tratar problemas de visão.
Seria uma personagem comum que se perderia nas brumas do tempo se não tivesse essa essência de passarinho ou aranha ou borboleta! Mas... "Beauty is not caused. It is."
Não aprendeu o recato do lar na escola. A diretora tinha fogo nas ventas e afirmava que um dos grandes perigos para o cérebro das mulheres era a cozinha. Concentravam toda a atenção nessa área do conhecimento e não lhes sobrava tempo para cultivar a mente. O que as donas de casa tinham que fazer era simplificar a lida e aproveitar a vida (com leituras edificantes). E que se danassem os maridos, esses tiranos, diante dos quais as mulheres se curvavam em servidão sem esperança. (Opa, isso em 1950!)
Mas a poeta só achava da vida o que queria achar, depois de muito pensar. Tratou de transformar a religião da família e do colégio numa coisa só sua, estudou bastante, apaixonou-se pelos livros e depois, já que podia escolher, escolheu voltar para casa, para a fortaleza paterna de onde começaria uma imensa viagem para dentro de si mesma.
Quase tudo que se sabe sobre a vida de Emily Dickinson tem como fonte as correspondências que ela manteve com algumas pessoas. Nestas cartas, além de tecer comentários sobre o seu cotidiano, havia também alguns poemas. Só que secretamente, esta moça escondeu do mundo quase dois mil poemas guardados em saquinhos de pano ou livros manuscritos com suas composições, produzidos e encadernados à mão que nunca foram publicados em vida.
Toda a sua obra foi editada postumamente, sendo reconhecida e aclamada pelos críticos.
"Behavior is what a man does, not what he thinks, feels, or believes."Em vida seu maior reconhecimento foi ganhar um concurso de bolos na feira de gado da sua cidade. O prêmio era de 75 cents, mas ganhou! E continuou a fazer pão e bolo vida afora, dizia: "As pessoas querem doces, então é preciso fazê-los".
Acho que foi feliz. Acho que era alegre. Caso contrário era inteligente o bastante para mudar de vida e não teria dito coisas como: "Viver é tão emocionante que não sobra tempo para mais nada".
Era de um raro tipo de artista que transforma a própria vida em arte. Ou que talvez não saiba onde começa um e termina outro. Como um Van Gogh mas não atormentada! Ensolarada, ocupada com a cozinha, a horta e o jardim da casa e do espírito. O que aconteceria se os dois se conhecessem? Talvez se apaixonassem (Olha Van, a Emily tá te dando bola!), talvez se compreendessem. Se se casassem Cora Coralina faria os doces.